Nasci e cresci e me casei na mesma cidade.
Fui casada por quase 30 anos, tive um casal de filhos que me deram muito orgulho e agora espero os netos. Tive um marido incrível que sempre priorizou a família.
Fui uma esposa muito companheira e mãe presente. Me dediquei completamente à família e agradeço cada dia vivido ao lado deles.
Um pouco antes de me formar na escola, por não saber o que fazer na faculdade, tive a oportunidade de fazer um curso na França. Foi um semestre para começar a aprender francês. Uma experiência mágica! Me apaixonei pela cultura, pelo país e mais ainda pela culinária!!!!!
Tive a oportunidade de "fazer um bico" em um restaurante e aprender um pouquinho mais o que me deixou ainda mais apaixonada!
Voltei ao Brasil e, como Gastronomia não era um curso de faculdade da época, acabei optando por Administração de Empresas seguindo uma certa pressão familiar.
Estava em meu primeiro emprego quando decidi casar e acabei optando pela família, deixando minha profissão (que na verdade não tinha nada a ver comigo) e meus sonhos de lado.
Fui extremamente feliz com a minha escolha! Minha família me trouxe enormes alegrias!
Meus filhos cresceram, fizeram suas escolhas e, naturalmente, foram cada vez menos precisando de mim.
Os dias começaram a ficar mais folgados, os horários da casa mais flexiveis… até que o ninho realmente ficou vazio. A casa grande virou um apartamento menor, não tinha mais ninguém para almoçar em casa, nenhuma bagunça… eu comecei a ser desnecessária.
Meu marido seguiu em sua rotina de trabalho durante a semana e aos finais de semana passamos a viajar um pouco mais com amigos.
Meu vazio começou a me lembrar de muita coisa que eu tinha esquecido pela agitada rotina e essas lembranças começaram a fazer barulho dentro de mim até que um dia verbalizei ao meu marido o quanto eu ainda tinha vontade de me aventurar na culinária francesa! Queria aprender mais e talvez até montar algo relacionado a isso para trabalhar já que agora ninguém mais precisava de mim.
Para minha surpresa, meu marido além de não entender minha inquietude, criticou. Na cabeça dele, eu tinha que continuar a cumprir meu papel de esposa e mãe e esperar para ser avó. Não entendeu o fato de eu ainda querer mais.
Tentei diversas abordagens para explicar a ele que era sério. Que eu não estava brincando. Expliquei que tinha tempo de sobra e isso seria positivo para mim e consequentemente para ele também pois estaria feliz… tentei mesmo, mas ele estava infexível até que tivemos a maior briga da nossa história.
Me senti apagada, desvalorizada, desconsiderada e desrespeitada. O fato dele não me ver como pessoa que tem sonhos, vontades, necessidades e sim como ocupante de uma posição ou cargo foi um choque. Nunca imaginei que ele me via assim.
Meu mundo desabou.
Foi aí que, depois de desconstruir a imagem que eu tinha do meu marido, do meu casamento e da nossa família, eu decidi continuar fiel ao que eu queria como fui todos esses anos. Desde que iniciamos a nossa família, não houve um dia que eu teria vivido de forma diferente ou priorizado outra coisa. Errando ou acertando eu vivi, aprendi, evolui e assim vou seguir.
Entendi que minha realidade tinha mudado e para continuar meu caminho teria que fazer algumas mudanças. Depois de muitas tentativas e conversas frustradas, eu pedi o divórcio.
Sonhei os sonhos do meu marido por muitos anos e agora precisava sonhar os meus mas ele não quis sonhar comigo. Na cabeça dele, eu que teria que continuar sonhando os sonhos dele.
Meus filhos me entenderam e apoiaram. Foi muito difícil, doeu e dói muito ainda…
Hoje vivo há um ano na França onde estou aprendendo e trabalhando com a a culinária que sempre admirei. Estou muito feliz por estar realizando esse sonho. Muito feliz por ter tido a coragem de mudar minha vida, fazer escolhas e abdicar de muita coisa.
Ainda não sei dizer se ficarei aqui ou se ainda volto ao Brasil. Tô indo devagar. Me dei o direito de viver um dia de cada vez, devagar, sem pressa.
Aprendi que idade não é impeditivo, que o tempo está a nosso favor e que podemos fazer as pazes. Me sinto vivendo uma segunda vida dentro da mesma. Uma segunda chance onde agora eu sou o meu foco e isso está sendo maravilhoso!
Gostaria de dizer que a grande maioria me criticou e foi contra essa minha mudança, quem me apoiou de verdade foram meus filhos, só. Mas não guardo mágoa daqueles que não me entenderam, cada um enxerga com as lentes que tem. O importante é eu ter sido fiel às minhas escolhas.
Meu marido faz falta, queria muito estar vivendo tudo isso com ele, mas tive que aceitar que ele não queria. Tenho que aceitar que meu tempo com ele teve começo, meio e fim. Nem todo mundo vai nos acompanhar ao longo da nossa vida então temos que aproveitar o tempo que temos com cada um e seguir.
Leitora Anônima
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